24 de junho de 2009

Mudança

O tempo passou . . .
O tempo passou e eu mudei . . .
Mudei porque cresci, porque amadureci, porque vivi . . .
Mudei porque sobrevivi a um leque tão variado de experiências que me forçou a aprender com os meus erros, que me ensinou a nunca desistir.
Mudei porque sofri decepções, decepções com o mundo, com as pessoas, com o amor . . .
Mudei porque gozei alegrias, porque conheci outras pessoas que me inspiraram, pessoas que me mostraram outro mundo, outro amor . . . Pessoas que me fizeram acreditar que desistir não é uma opção viável . . . Pessoas que de alguma forma me tocaram e contribuíram para o que sou agora: uma pessoa diferente, não melhor nem pior, apenas diferente.
O tempo passou . . .
O tempo passou, eu mudei mas sei que nem tudo mudou, nem todos me acompanharam . . .
Eu mudei e, apesar de todos os sacrifícios inerentes a estas mudanças, o balanço é positivo.
Tu não mudaste, o mundo que conhecia não mudou, lá fora continua tudo igual . . . Agora acredito que quem não resistiu à mudança é porque, simplesmente, não merecia o esforço . . .
O tempo passou e eu . . .
Eu mudei.

"Há duas características principais entre o vencedor e o perdedor. O perdedor faz o difícil parecer impossível, e o vencedor faz o impossível ser apenas difícil porém realizável." (Autor desconhecido)

8 de junho de 2009

« Margens

Há bocado fez amor sem realmente o fazer. Deixou-se estar quieta enquanto ele a abraçou, lhe acariciou os seios e depois, devagar, lhe escalou o corpo com beijos e um pénis estranhamente erecto. Com o tempo os beijos dele foram perdendo o sabor, pensou ela enquanto contava os traços de luz desenhados na parede. Ele veio-se...e depois foi-se, engolido pela prescrição que o obriga a ir trabalhar todos os dias às nove da manhã.

Enfraquecida, a luz vai morrendo devagar na parede do quarto depois de ter passado pelos buracos da persiana. Era tão bom que o dia de hoje pudesse ser diferente dos outros. Mas não é, e depois desta contemplação da morte natural dos raios de Sol, o dia dela não será muito diferente de uma receita médica qualquer que manda tomar medicamentos a horas exactas.

Há uma normalidade nesta vida que não pode ser normal. É a normalidade de casar, ter filhos, comprar uma casa e talvez um carro sem haver um depois. É como se esse fosse o último estágio da vida e, talvez por isso, ela tenha sorrido tanto no dia em que se casou. Eram os últimos sorrisos. Depois as conversas embriagadas de amor transformaram-se em discussões sobre a conta em que deve cair a factura da luz e do gás, o sonho de ter filhos transformou-se numa prisão cheia de fraldas sujas e choros de bebé a meio da noite e, por fim, os quarenta e tal canais por cabo substituíram as longas noites passadas com os amigos.
---
Ele já chegou ao escritório mas ainda não ligou o computador. Não consegue deixar de pensar na mulher que lá fora, enquanto o semáforo para peões estava vermelho, olhou para ele do outro lado da rua. Depois cruzaram-se na passadeira e sorriram um ao outro, ela com um brilho nos olhos de amêndoa e ele com timidez. E por falar em passadeira, foda-se, a vida não tem sido mais do que isso: uma passadeira entre duas margens: a da casa e a do emprego. Tudo o resto é passagem. Tudo o resto é paisagem.


Ela já aqueceu o leite do miúdo no microondas durante doze segundos na potência máxima, já lavou os lençóis onde ele mijou mais uma vez durante a noite. Já os pôs a secar e já tirou do frigorífico a carne para descongelar até à hora do jantar. Só ainda não se ligou a ela mesma. Não consegue deixar de pensar em como a sua vida se transformou apenas numa margem: a da casa, e tudo o resto está na outra margem tão distante.
---
Os insectos povoam os candeeiros redondos da rua em órbitas incertas. Incerta é também a noite mas, pela primeira vez, isso sabe-lhes bem. Ele telefonou e inventou uma desculpa qualquer para não ir jantar a casa, ela ganhou coragem e deixou o filho na vizinha. Talvez daqui a pouco se cruzem numa passadeira qualquer e sorriam um para o outro como já não se lembram de o fazer. Talvez até percebem que têm vivido em margens opostas. Talvez...entretanto, a carne em cima da bancada da cozinha já está descongelada e esquecida. »

2 de junho de 2009

E quando?

E quando as forças nos falham?
Quando a vontade de acordar e sair da cama desaparece?
Quando sorrir se torna difícil?

E quando só queremos fugir, desaparecer uns tempos, mesmo sabendo que quando voltarmos os pesadelos e medos continuam a assombrar-nos?
Quando as lágrimas já secaram e a frustração se apoderou do nosso corpo?
Quando queremos ser felizes mas não sabemos como ou o que fazer?

E quando a solidão se torna tão insuportável que ameaça levar ao desespero?
Quando queremos exteriorizar os sentimentos e não conseguimos?
Quando a máscara se torna tão perfeita que já não sabemos distinguir o que é real?

E quando já nem sabemos onde encaixamos na nossa própria vida?
E quando um simples abraço é suficiente?
E quando?

"Hoje eu estou mesmo assim, com uma carência sem fim."

1 de junho de 2009

O tango

A noite caiu.

O sítio estava cheio, a escuridão era quase total e, o barulho insuportável...mas, eles encontraram-se.

A criatura, postura discreta, de olhar sereno e lábios vermelhos luxúria.

A pessoa, de olhar misterioso e porte altivo, os lábios a expirar desejo.

Os olhos cruzaram-se, encontraram-se e cederam ao desejo à tanto tempo contido...
Sem uma única palavra ou gesto a criatura permitiu que a pessoa a despisse lentamente, sem qualquer pudor...
Sem qualquer promessa ou obstáculo, sem horas ou local, sem segredos ou culpas, apenas a vontade...
A criatura reviveu aqueles distantes momentos, os cheiros, o toque, o sabor, o sentimento de protecção, o prazer e, entregou-se.
A pessoa leu-lhe os pensamentos e permitiu-lhe todos esses luxos.
O tempo parou, o sítio ficou vazio, o barulho desapareceu e eles entregaram-se...
Durante aqueles instantes o tempo foi só deles, do desejo.
O dia nasceu, o calor dos corpos desapareceu mas as memórias (boas) persistem e insistem...sempre...

Sem promessas, existem tantas noites para eles...

Um beijo pessoa